dilluns, 9 de juliol del 2012

Doce vida




À Leda,
Larinha, Juju

À tia Paulinha



– Não acredito que você não sabe, Ju, que você nunca tentou. É sério? Então, como você faz antes de dormir?

            Perguntou a menina superpoderosa, louríssima. E tão meiga, tão amiga. Imensa Juju.
            Juju achava que eu estava brincando, só pode. E eu fiquei com vergonha, não devia ter dito? Mas não vai mentir para criança, não, e ela perguntou… Ali, no embalo da rede, no vaivém da noite na varanda, no farol de Santa Luzia: em casa.

            Ela perguntou e eu respondi a verdade: eu não sabia rezar.

             O dia tinha fechado mais um atalho no calendário, e já colocaram água no vasinho do beija-flor. Tudo a posto, pare o mundo, que o resto pode ficar para amanhã. Aí a noite pediu licença, estava chegando a hora de toda criança sonhar. A hora das fadas.
            Ô momento difícil:

– É hora de dormir, Juju.
 – Ah, n­ão, Ju, ainda não. Vai, está cedo demais… Embora aprender como é que faz, é tão fácil.

            (E não é sempre assim? Os adultos procurando a própria felicidade; as crianças, a do mundo.)

– Tá bom, Julinha. Será que dá para aprender assim, aqui, em meia horinha? Olha que amanhã tem escola.
 – Dá, Ju, dá sim. Embora.  


Ô meu deus de todas as coisas bonitas, do céu e da chuva, dos riscos de espuma, finíssimos no mar em calma.
Do sol e da lua.
De todos os dias que sonham a vir. De tudo o que já era. Meu deus do aqui e agora para sempre e um dia.
Ô meu pai, meu amigo

– Tá bom, Ju, nem precisa se alongar tanto, deus já sabe quem é.

 (Será?
Fiquei parada, caladíssima, esperando, curiosa, uma resposta. E veio.)

– Eu faço assim, conto a história do dia, o que foi que eu fiz, o que penso em fazer amanhã… Digo como vejo as coisas, falo do que sinto, das pessoas que eu amo.

            (Divido o que sou. E multiplico a esperança).

–Ah, é? Então, é como contar e ouvir historinha?

            (Como ir tirando a roupa devagar. O chapéu, o sobretudo, as máscaras. Terno, gravata, camisa, calcinha, saia, anéis. O casacão do medo, as lágrimas. A vaga lembrança das minicertezas, tudo o que a gente já esqueceu. Tudo para fora. Como deixar o coração na ponta da pele, tatuagens no ar).

            Eu estava me empolgando…

– Juju, rezar é como ler um conto, de noite, para gente não ter mais medo de desligar a luz? É, Julinha?
 –É.
           

            (Rezar é ninar o mundo)





            Abertas cicatrizes de luz


Ô meu deus do sol e da lua,


Hoje eu viajei dez (mil) anos atrás.
Lá pra onde tudo começa como a promessa de uma grande aventura. No trem, na areia, no meio da rua: aí onde faz sentido dizer para sempre como nunca mais.
Pare o mundo, que eu quero descer  
aqui,
lá no farol, na barra, no arco-íris da terceira de todas as pontes.
No rio Jucu, no rio doce.
Em Anadia.
Na varanda.
Em Salvador, da mão de uma voz que canta e descobre.

Eu quero ir para praia comer carangueijo, que anda para atrás.
Na barra ouvir Congo, sentir a maré encher.
Quero voltar, tartaruga veloz, pra onde ainda não fui. Tirar a casca e ficar nua.

Estamos aí,

viu?

No ateliê, ouvindo música até as mil.
Batendo papo, morrendo de rir. Brincando horas a fio. Sonhando leves, virando amigas, saudando à beleza. Cumprindo vinte-e-três e fazendo as pazes. Com o que não parece, mas é. Bonita. É bonita. É bonita. Doce vida. (Só ficando sérias para assistir à palestra do Px. Para escutar à pequeña vendedora de fósforos. Para avaliar o som ou a luz da próxima função. Da palavra seguinte.)

Qual é?

Obrigada.
Tanto. Talvez você nem sabe.
Por ter me aberto as portas. Da sua história, sua vida, seu mundo. De sua casa. Por cada viagem e todas as risadas. Por tantas noites. Pelas descobertas. Pela hora do abraço. Por você ser você. E por ter me ajudado, me querido, me puxado. A crescer. A criar coragem. Força. Alegria. A dividir. A acreditar. (No teatro, na aventura, na ternura). A viver.

Por ter me ensinado a dizer,
há dez (mil) anos atrás,

você mora em meu coração.

E hoje eu sinto profunda saudade.


– Já fiz, Juju, rezei. Agora vamos dormir.

– Tá. Mas amanhã, para sempre e um dia, você tenta outra vez.




À Leda,
à Lapinha,
à Juju.

À tia Paulinha.

Eu amo vocês