À Leda,
Larinha, Juju
À tia Paulinha
– Não acredito que você não sabe, Ju, que você nunca tentou. É sério?
Então, como você faz antes de dormir?
Perguntou a
menina superpoderosa, louríssima. E tão meiga, tão amiga. Imensa Juju.
Ela perguntou e eu respondi
a verdade: eu não sabia rezar.
O dia tinha fechado mais um atalho no
calendário, e já colocaram água no vasinho do beija-flor. Tudo a posto, pare o
mundo, que o resto pode ficar para amanhã. Aí a noite pediu licença, estava
chegando a hora de toda criança sonhar. A hora das fadas.
Ô momento difícil:
– É hora de dormir, Juju.
(E não é sempre
assim? Os adultos procurando a própria felicidade; as crianças, a do mundo.)
– Tá bom, Julinha. Será que dá para aprender assim, aqui, em meia
horinha? Olha que amanhã tem escola.
Ô meu deus
de todas as coisas bonitas, do céu e da chuva, dos riscos de espuma, finíssimos
no mar em calma.
Do sol e da
lua.
De todos os
dias que sonham a vir. De tudo o que já era. Meu deus do aqui e agora para
sempre e um dia.
Ô meu pai,
meu amigo
– Tá bom, Ju, nem precisa se alongar tanto, deus já sabe quem é.
(Será?
Fiquei parada, caladíssima, esperando, curiosa, uma resposta. E veio.)
– Eu faço assim, conto a história do dia, o que foi que eu fiz, o que
penso em fazer amanhã… Digo como vejo as coisas, falo do que sinto, das pessoas
que eu amo.
(Divido o que sou. E
multiplico a esperança).
–Ah, é? Então, é como contar e ouvir historinha?
(Como ir tirando a
roupa devagar. O chapéu, o sobretudo, as máscaras. Terno, gravata, camisa,
calcinha, saia, anéis. O casacão do medo, as lágrimas. A vaga lembrança das minicertezas, tudo o que a gente já esqueceu.
Tudo para fora. Como deixar o coração na ponta da pele, tatuagens no ar).
Eu estava me
empolgando…
– Juju, rezar é como ler um conto, de noite, para gente não ter mais medo
de desligar a luz? É, Julinha?
(Rezar é ninar o
mundo)
Abertas cicatrizes de luz
Ô meu deus
do sol e da lua,
Hoje eu
viajei dez (mil) anos atrás.
Lá pra onde
tudo começa como a promessa de uma grande aventura. No trem, na areia, no meio
da rua: aí onde faz sentido dizer para sempre como nunca mais.
Pare o
mundo, que eu quero descer
aqui,
lá no
farol, na barra, no arco-íris da terceira de todas as pontes.
No rio
Jucu, no rio doce.
Em Anadia.
Na varanda.
Em
Salvador, da mão de uma voz que canta e descobre.
Eu quero ir
para praia comer carangueijo, que anda para atrás.
Na barra
ouvir Congo, sentir a maré encher.
Quero voltar,
tartaruga veloz, pra onde ainda não fui. Tirar a casca e ficar nua.
Estamos aí,
viu?
No ateliê,
ouvindo música até as mil.
Batendo
papo, morrendo de rir. Brincando horas a fio. Sonhando leves, virando amigas,
saudando à beleza. Cumprindo vinte-e-três e fazendo as pazes. Com o que não
parece, mas é. Bonita. É bonita. É bonita. Doce vida. (Só ficando sérias para
assistir à palestra do Px. Para escutar à pequeña vendedora de fósforos. Para avaliar
o som ou a luz da próxima função. Da palavra seguinte.)
Qual é?
Obrigada.
Tanto. Talvez
você nem sabe.
Por ter me
aberto as portas. Da sua história, sua vida, seu mundo. De sua casa. Por cada
viagem e todas as risadas. Por tantas noites. Pelas descobertas. Pela hora do
abraço. Por você ser você. E por ter me ajudado, me querido, me puxado. A
crescer. A criar coragem. Força. Alegria. A dividir. A acreditar. (No teatro, na
aventura, na ternura). A viver.
Por ter me
ensinado a dizer,
há dez
(mil) anos atrás,
você mora
em meu coração.
E hoje eu sinto
profunda saudade.
– Já fiz, Juju, rezei. Agora vamos dormir.
– Tá. Mas amanhã, para sempre e um dia, você tenta outra vez.
À Leda,
à Lapinha,
à Juju.
À tia Paulinha.
Eu amo vocês